terça-feira, 30 de junho de 2009

ANTEPROJECTO DE LEI CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Tendo em conta que o Parlamento mocambicano aprovou a LEI CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, para melhor informnacao acho por bem apresentar aos ilustres leitores o anteprojecto da mesma lei que se pode ler abaixo.

ANTEPROJECTO DE LEI CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

PREÂMBULO

Tendo em consideração que a Constituição da República de Moçambique e, em particular o nº 1 do artigo 40, segundo o qual “todo o cidadão tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou trata-mentos cruéis ou desumanos”; o disposto no artigo 35º da Lei Fundamental, segundo o qual “todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”, ou seja, que todos os cidadãos têm direito à igualdade, à liberdade e à segurança;
Tendo em conta que este princípio de igualdade consagrado na Constituição não significa que não pode haver tratamento diferenciado para pessoas que estão em situação de desigualdade; e além disso que a igualdade entre homens e mulheres não se poderá alcançar/atingir “enquanto as causas subjacentes à discriminação contra as mulheres e à desigualdade de trata-mento não forem eficazmente eliminadas. É preciso considerar as vidas das mulheres e dos homens no seu respectivo contexto e adoptar medidas susceptíveis de favorecer uma verdadeira transformação das suas perspectivas de futuro, das instituições e dos sistemas para que as mulheres se possam libertar dos paradigmas masculinos de poder e dos padrões de vida historicamente determinados” (§ 10 da Recomendação Geral 25 da CEDAW);
Reconhecendo que a violência doméstica contra as mulheres está vinculada à desigualdade de poder entre mulheres e homens no âmbito das relações familiares, nas dimensões do social, do económico, do religioso e do político, apesar de todos os esforços das legislações a favor da igualdade;
Considerando que a violência doméstica contra as mulheres constitui um atentado contra o direito à vida, à segurança, à liberdade, à dignidade, e à sua integridade física e psíquica, traduzindo-se num obstáculo para o desenvolvi-mento de uma sociedade democrática e solidária;
Sabendo que a maioria das vítimas de violência doméstica no seio da sociedade moçambicana são mulheres de todas as idades, classes sociais, religiões, raças, etnias, portadoras ou não de deficiência, nacionalidades, entre outras, devido às condições estruturais de relações de poder entre os géneros;
Reconhecendo que as crianças, os idosos e mesmo alguns homens são também vítimas de violência doméstica, cujas causas são distintas e não podem ser justificadas pelas convenções internacionais sobre os direitos humanos das mulheres, devendo por isso ser protegidos por outras leis;
Reconhecendo a família como um espaço social, sinónimo de segurança, protecção e afecto, mas também uma rede intrincada e complexa de relações de poder, é doloroso constatar que particularmente para as mulheres, se tem convertido cada vez mais num espaço social de risco;
Tendo em conta que o Estado Moçambicano é assinante da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); da Declaração e Programa de Acção da Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena, 1993); da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1994); da Declaração e Programa de Acção da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994); da Declaração e Programa de Acção da Conferência sobre a Mulher (Beijing, 1995); da Declaração dos Chefes de Estado e Governo da SADC, em prol da Prevenção e Erradicação da Violência contra a Mulher e Criança (1996);
Tendo em conta que o Estado Moçambicano faz parte da Convenção Sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, 1979), (ratificada pelo Estado Moçambicano através da Resolução 04/93 de 02 de Junho); da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (ratificada através da resolução 9/88 de 25 de Julho); da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (ratificada através da Resolução 19/90 de 23 de Outubro); do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativa aos Direitos da Mulher em África (ratificado Dezembro 2005); da Convenção contra a Tortura e outros maus-tratos ou penas cruéis, desumanos e degradantes e portanto está obrigado a adoptar medidas concretas para a eliminação da violência contra as mulheres;
Tendo em conta os excelentes Relatórios das Relatoras Especiais sobre a Violência contra as Mulheres que demonstram que esta violência é um problema universal e que existe em todas as sociedades, em todas as regiões do mundo, independentemente do grau de desenvolvimento, regime político, económico e social, credos religiosos, entre outros,
Considerando que o Artigo 4.1 da CEDAW estabelece que os Estado têm a obrigação de aprovar medidas especiais de carácter temporário para acelerar o alcance da igualdade de jure e de facto entre os homens e as mulheres e que para isso é preciso eliminar todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres;
Considerando que a Recomendação Geral 19 da CEDAW estabelece que a violência contra as mulheres é uma forma de discriminação e que portanto cada Estado Parte tem a obrigação de adoptar medidas para proteger as mulheres contra a violência causada pela desigualdade de poder entre homens e mulheres;
Considerando que a Recomendação Geral 25 da CEDAW estabelece que, “A primeira obrigação dos Estados partes é a de assegurar que não exista discriminação directa ou indirecta contra as mulheres nas leis, e assegurar a protecção das mulheres contra qualquer forma de discriminação – por parte de autoridades públicas, aparelho judiciário, organizações, empresas ou
indivíduos – tanto na esfera pública como na privada, por tribunais competentes, sanções e outras medidas. A segunda obrigação dos Estados partes é a de melhorar a condição “de facto” das mulheres através de políticas e programas concretos e eficazes. Por último, a obrigação dos Estados partes é a de eliminar as relações de prevalência de um género sobre o outro e a persistência de estereótipos baseados no sexo que são prejudiciais às mulheres não só ao nível dos comportamentos individuais mas também na lei, nas estruturas jurídicas e sociais e nas instituições;
Considerando ainda que segundo o Artigo 4 do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Relativo aos Direitos da Mulher em África, “Toda a mulher tem direito ao respeito pela sua vida, à integridade física e à segurança. Todas as formas de exploração, de punição e de tratamento desumano ou degradante devem ser proibidas”, tendo para tal os Estados Parte a obrigação de “promulgar e aplicar leis que proíbam todas as formas de violência contra as mulheres”;
Tendo em conta o que anteriormente se disse, a obrigação do Estado Moçambicano é de promover leis específicas para a protecção das mulheres contra a violência e não leis que possam eventualmente causar mais desigualdade;
Tendo em conta que no nosso País não existe nenhum dispositivo legal que penalize como crime tipificado a violência doméstica e que o problema se apresenta cada vez mais com características de gravidade e de forma crescente;
A presente lei define os factos que constituem violência, medidas de segurança, as sanções para a pessoa agressora e os bens jurídicos protegidos.
Nestes termos, à luz do nº1, artigo 183 da Constituição da República de Moçambique, a Assembleia da República determina:
CAPITULO I
Disposições gerais
Artigo 1
(Objecto)
A presente lei tem como objecto toda a violência doméstica praticada contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares e de que não resulte morte desta.
Artigo 2
(Objectivo)
1. É objectivo desta lei, prevenir, sancionar os infractores e prestar às vítimas de violência doméstica a necessária protecção, garantir e introduzir medidas que forneçam aos órgãos do Estado os instrumentos necessários para a eliminação da violência doméstica.
2. É também objectivo desta lei prestar às vítimas de violência doméstica a máxima protecção contra o abuso de poder no relacionamento entre pessoas no âmbito doméstico e introduzir medidas que garantam que os órgãos competentes do Estado assegurem apoio total e efectivo às previsões e assegurar que o Estado se comprometa com a eliminação da violência doméstica.
Artigo 3
(Âmbito)
1. As disposições da presente lei são de ordem pública e de observância obrigatória.
2. A presente lei visa proteger a integridade física, psicológica, patrimonial e sexual da mulher, contra qualquer forma de violência exercida pelo seu cônjuge, ex-cônjuge, parceiro, namorado e familiares.
Artigo 4
(Das obrigações do Estado)
1. As instituições do Estado ligadas à educação, informação, saúde, mulher, justiça, cultura, juventude, acção social e segurança, devem:
a) Impulsionar o processo de modificação dos padrões sócio-culturais de conduta de mulheres e homens, incluindo o desenho de programas e curricula de educação formal e não formal a todos os níveis do processo educativo;
b) Difundir o direito a uma vida sem violência;
c) Instruir e sensibilizar o pessoal de saúde a proporcionar tratamento adequado e privacidade às mulheres vítimas de violência, e evitando a repetição de exames clínicos que afectem a sua integridade física e psicológica;
2. As instituições do Estado ligadas à mulher, justiça, educação, saúde, acção social, segurança, em coordenação, com especialistas e investigadoras do tema da violência doméstica contra as mulheres, deverão desenhar uma política e o respectivo Plano Nacional para prevenir, atender e erradicar a violência doméstica contra as mulheres.
3. O Plano Nacional deve conter medidas educativas, de investigação, de difusão, de atendimento integral às mulheres agredidas, de sensibilização e capacitação a magistrados judiciais e do Ministério Público, polícias, funcionários/as e outros quadros das instituições públicas ou privadas que estejam envolvidos na prevenção, sanção e protecção das mulheres que sofrem violência doméstica.
4. A instituição do Estado ligada à mulher deve constituir um observatório sobre a violência doméstica contra a mulher com o objectivo de recolher informações e fazer uma avaliação contínua da aplicação desta lei.
5. O Instituto Nacional de Estatística deve compilar e publicar os dados sobre casos de violência doméstica em todo o país para determinar a sua incidência e avaliar posteriormente o impacto da implementação desta lei.
6. O orçamento do Estado deve prever e alocar fundos para as actividades das organizações não governamentais que prestam atendimento e assistência às mulheres vítimas de violência doméstica.
Artigo 5
(Definições)
1. Para efeitos da presente Lei entende-se por:
a) Violência Contra a Mulher: todos os actos perpetrados contra a Mulher e que cause, ou que seja capaz de causar danos físicos, sexual, psicológicos ou económicos, incluindo a ameaça de tais actos, ou a imposição de restrições ou a privação arbitrária das liberdades fundamentais na vida privada ou pública, em tempos de paz e durante situações de conflito ou guerra;
b) Exercício desigual de poder: toda a conduta dirigida a afectar, comprometer ou limitar o livre desenvolvimento da personalidade das mulheres por razões de género.
c) Ciclo da violência: sequência repetitiva de etapas que se caracterizam pela acumulação de tensão, explosão da violência verbal ou física e o arrependimento do agressor ou lua-de-mel, repetindo-se o ciclo com renovada acumulação de tensão e consequente explosão da violência com maior intensidade e frequência, podendo terminar muitas vezes com a morte de uma das partes.
d) Discriminação indirecta: toda discriminação contra as mulheres nas leis, nas políticas e nos programas que se baseiam em critérios aparentemente neutros, sob o ponto de vista do género, mas que de facto se repercutem negativamente nas mulheres. As leis, as políticas e os programas que são neutros, sob o ponto de vista do género, podem perpetuar involuntariamente os efeitos de discriminações passadas.
e) Violência física: toda a acção ou omissão que produza um dano à integridade corporal das mulheres que não esteja tipificado como delito no Código Penal.
f) Violência psicológica: toda a acção ou omissão cujo propósito seja degradar ou controlar as acções, comportamentos, crenças, direitos ou decisões das mulheres, através de intimidação, manipulação, ameaça directa ou indirecta, humilhação, isolamento, encerramento ou qualquer outra conduta ou omissão que implique um dano à saúde psicológica, ao desenvolvimento integral ou à sua autodeterminação.
g) Violência sexual: toda a conduta que envolva ameaça ou intimidação que afecte a integridade ou a autodeterminação sexual da mulher, incluindo todas as formas de mutilação genital feminina ou outras práticas nocivas.
h) Violação sexual: toda a cópula praticada contra a vontade da mulher, incluindo a praticada dentro do casamento. e outras relações amorosas.
i) Violência patrimonial: toda violência que cause deterioração ou perda de objectos, animais ou bens materiais da mulher ou do seu núcleo familiar.
Artigo 6
(Agentes da infracção)
1. A violência doméstica contra as mulheres prevista no artigo 2 pode ser praticada:
a) Pelo homem com quem está ou esteve unida por casamento;
b) Pelo homem com quem vive ou viveu em união de facto;
c) Pelo homem com quem tem ou teve relações amorosas;
d) Por qualquer pessoa unida com ela por laços familiares ou qualquer pessoa que habite no mesmo espaço.
CAPÍTULO II
Das Medidas de Protecção
Artigo 7
(Medidas de protecção)
Para tutelar ou restituir os direitos das mulheres vítimas de violência doméstica estabelecem-se medidas de segurança e cautelares.
Artigo 8
(Medidas de segurança)
1. Medidas de segurança são aquelas que têm por fim deter a violência em qualquer das suas manifestações.
2. Estas medidas serão aplicadas pelo tribunal competente apenas com a apresentação da denúncia ou de ofício, e em casos urgentes pelo Ministério Público ou a Polícia.
3. As medidas de segurança são de entre outras:
a) Retirar temporariamente o agressor da casa em que coabita com a mulher agredida;
b) Proibir o agressor de passar perto da casa e local de trabalho, ou lugares habitualmente frequentados pela agredida, sempre e quando esta medida não interfira nas relações laborais do agressor;
c) Deter em flagrante delito o agressor, por um período não superior a 48 horas;
d) Advertir o agressor que incorrerá em delito se praticar actos de intimidação ou agressão contra a mulher ou contra qualquer membro da sua família;
e) Apreender as armas encontradas na posse do agressor;
f) Garantir o regresso seguro da mulher que foi obrigada a abandonar a sua residência por razões de segurança, devendo neste caso aplicar imediata-mente a medida estabelecida na alínea a).
Artigo 9
(Medidas cautelares)
1. Medidas cautelares visam prevenir a repetição da violência doméstica contra as mulheres mediante a reeducação do agressor e o fortalecimento da auto-estima da mulher e garantir o cumprimento das responsabilidades familiares do agressor.
2. As medidas cautelares são, nomeadamente, as seguintes:
a) Encaminhar a mulher a um gabinete de atendimento e aconselhamento;
b) Estabelecer uma pensão provisória, que corresponda à capacidade económica do agressor e as necessidades dos alimentandos;
c) Suspender o poder parental do agressor sobre os/as filhos/as menores;
d) Proibir o agressor de celebrar contratos sobre bens móveis e imóveis, e de retirar os bens móveis da residência comum para outro local.
CAPÍTULO III
(Das Penas)
Artigo 10
(Penas)
As penas são:
a) Pena de prisão maior de dois a oito anos.
b) Pena de prisão de três dias a dois anos.
c) Multa.
d) Prestação de trabalho a favor da comunidade de cinquenta e quatro a quatrocentas horas.
Artigo 11
(Prestação de Trabalho a favor da comunidade)
1. A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
2. A prestação de trabalho a favor da comunidade deve ser efectuada nos dias úteis num mínimo de duas horas e máximo de quatro horas diárias.
Artigo 12
(Relatórios)
1. As entidades beneficiárias do trabalho devem remeter à Acção Social um relatório no inicio e outro no fim da prestação do trabalho que é posteriormente remetido ao tribunal acompanhado de um parecer técnico.
2. Sempre que for constatado qualquer irregularidade ou anomalia no trabalho a entidade beneficiária deve comunicar imediatamente à acção social que elaborará um parecer que é remetido ao tribunal.
3. De acordo com o conteúdo dos relatórios apresentados o juiz decidirá pela extinção da pena pelo cumprimento ou pela substituição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade por multa se o trabalho não for considerado satisfatório.
Artigo 13
(Desobediência)
Comete o crime de desobediência qualificada previsto no Código Penal o condenado a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade que:
a) Se colocar intencionalmente em condições de não puder trabalhar;
b) Se recusar sem justa causa a prestar o trabalho ou infringir grosseira-mente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado.
Artigo 14
(Suspensão provisória da pena)
A pena pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar ou profissional não podendo o período de suspensão ultrapassar os 12 meses.
Artigo 15
(suspensão e substituição da pena)
Só é admissível a suspensão da execução e substituição da pena aplicada ao condenado nos casos previstos nesta lei.
Artigo 16
(Agravamento das penas)
As penas aplicadas aos crimes de violência doméstica contra as mulheres serão elevadas de um terço nos seus limites mínimos e máximos sempre que o facto se mostrar especialmente censurável, nomeadamente se:
a) For praticado na presença dos filhos ou outros menores;
b) Houver ciclo de violência;
c) Houver antecedentes de violência;
d) Se for praticado contra mulher grávida;
e) Se for praticado em espaço público;
f) Se da prática do crime resultar contaminação por Infecções de Transmissão Sexual (ITS) e HIV.
Artigo 17
(Atenuação das penas)
1. O tribunal poderá atenuar a pena se existirem circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
2. Para efeitos do número anterior são consideradas as circunstâncias seguintes:
a) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento;
b) Ter decorrido um período de tempo até dois anos sobre a prática do facto, mantendo a pessoa agressora boa conduta;
3. Para os casos em que se verifique o ciclo da violência não serão conside-radas as circunstâncias atenuantes previstas neste artigo.
CAPITULO IV
(Dos crimes)
Artigo 18
(Violência física simples)
1. Será punido com a pena de prisão e multa correspondente aquele que voluntariamente atentar contra a integridade física da mulher com quem mantém relações familiares ou amorosas, utilizando ou não algum instrumento e que cause qualquer dano físico e/ou psicológico imediato ou mediato.
2. Avaliada a situação familiar, o tribunal poderá substituir a pena de prisão referida no número anterior pela de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 10.
Artigo 19
(Violência física grave)
Será punido com a pena de prisão maior de dois a oito anos, aquele que violentar fisicamente a mulher com quem mantém relações familiares ou amorosas, de modo a:
a) Afectar-lhe gravemente a possibilidade de usar o corpo, os sentidos, a fala e as suas capacidades de procriação, de trabalho manual ou intelectual;
b) Causar-lhe dano grave e irreparável a algum órgão ou membro do corpo;
c) Causar-lhe doença ou lesão que ponha em risco a vida.
Artigo 20
(Violência psicológica)
Será punido com a pena de prisão e multa correspondente aquele que, por actos ou omissões, adoptar posições que agridam ou possam agredir, depreciem ou possam depreciar, humilhem ou possam humilhar, discriminem ou possam discriminar e desrespeitem ou possam desrespeitar a mulher com quem mantém relações familiares ou amorosas, alterando a sua estabilidade psicológica e emocional.
Artigo 21
(Violência sexual)
1. Será punido com a pena de prisão maior de dois a oito anos aquele que obrigar a mulher com quem tem relações familiares ou amorosas a manter contacto sexualizado físico ou verbal, ou a participar em outras interacções ou relações sexuais mediante o uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro acto que anule ou limite a vontade pessoal, consigo ou com terceiros.
2. Será igualmente punido com pena de prisão aquele que através de práticas tradicionais atentar contra os direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
Artigo 22
(Violência patrimonial)
1. Será punido com a pena de trabalho a favor da comunidade entre cinquenta e cem horas, aquele que deixar de prestar alimentos a que está obrigado, por um período superior a sessenta dias privando, deste modo, os beneficiários de sustento e pondo em risco a sua saúde, educação e habitação.
2. O faltoso será, ainda, obrigado a pagar em dobro o valor da pensão de alimentos em falta.
3. Será punido com a pena de trabalho a favor da comunidade entre cinquenta a cem horas aquele que cause deterioração ou perda de objectos, animais ou bens materiais da mulher ou do seu núcleo familiar.
4. Será punido com a pena de multa até dois anos e aquele que se apoderar dos bens do núcleo familiar da mulher após a morte do marido.
Artigo 23
(Violência Social)
Será punido com a pena de prisão até um ano aquele que impedir a mulher com quem tem relações familiares ou amorosas de se movimentar, ou de contactar outras pessoas, retendo-a no espaço doméstico ou outro.
CAPITULO V
(Do Procedimento)
Artigo 24
(Crime Público)
O crime de violência doméstica contra as mulheres tem a natureza de crime público, com as especificidades resultantes da presente Lei.
Artigo 25
(Dos direitos processuais das vítimas)
Sem prejuízo dos direitos processuais básicos as mulheres vítimas de violência doméstica terão os seguintes direitos:
1. Ser previamente esclarecidas sobre os actos e direitos processuais, sobre a natureza do crime e das sanções aplicáveis;
2. Ser respeitadas durante a prestação de declarações;
3. Recorrer ao auxílio da polícia em qualquer circunstância em que esteja ameaçada a sua integridade física e segurança, pessoal, da sua família ou dos seus bens;
4. Não ser submetidas a acareação com o agressor;
5. Ser indemnizadas por perdas e danos sofridos por causa da violência doméstica, no processo em que correr a acção penal, ainda que não tenha sido requerida.
Artigo 26
(Atendimento)
1. A mulher vítima deve ser informada sobre o ciclo de violência e sobre os seus direitos humanos;
2. À mulher vítima de violência doméstica deve ser prestado um atendimento urgente pelas entidades policiais, sanitárias e outras, protegendo sempre a sua privacidade.
3. Ao nível do atendimento policial, deve-se garantir um espaço privado e calmo, para que as vítimas de violência apresentem as suas denúncias sem intimidações e salvaguardando a dignidade e intimidade.
4. Ao nível do atendimento médico, a vítima deve ser informada sobre a necessidade, o tipo, o modo de execução do exame e ser esclarecida sobre o resultado.
5. Todo o atendimento às vítimas de violência doméstica é gratuito.
Artigo 27
(Denúncia)
1. A denúncia pode ser feita pela vítima, membros da família, agentes de saúde, agentes de segurança social, membros de organizações não governamentais ou qualquer pessoa que tenha conhecimento do facto.
2. A denúncia poderá ser apresentada perante a autoridade policial ou Ministério Público, verbalmente ou por escrito, podendo ser usada a via telefónica ou electrónica.
3. Após a denúncia as autoridades indicadas no número anterior deverão imediatamente proceder ao levantamento do auto e dar seguimento ao processo.
Artigo 28
(Auto de denúncia)
Do auto de denúncia devem constar os seguintes elementos:
a) A identificação completa da vítima e da pessoa agressora;
b) A situação familiar ou amorosa;
c) A descrição circunstanciada dos factos que motivaram a denúncia e dos motivos da violência;
d) Os antecedentes de violência doméstica contra a mulher.
Artigo 29
(Encaminhamento)
1. Nos casos de violência física, psicológica ou sexual, as vítimas deverão ser imediatamente conduzidas, pela autoridade que recebe a denúncia, às instituições hospitalares para receberem os tratamentos adequados e serem avaliadas as respectivas lesões.
2. Dependendo da sua gravidade as vítimas de violência doméstica devem ser encaminhadas com urgência às unidades sanitárias mais próximas e só depois proceder-se-á à denúncia.
3. Sempre que derem entrada nas unidades sanitárias casos suspeitos de violência doméstica contra a mulher, os agentes de saúde devem encaminhar a vítima para as autoridades perante as quais se deve apresentar a denúncia, acompanhada do respectivo relatório clínico.
4. As organizações não governamentais que recebem e apoiam as vítimas de violência doméstica devem encaminhá-las às entidades competentes para receber a denúncia, sem prejuízo do apoio psicológico, jurídico ou de outra natureza que possa ser prestado.
Artigo 30
(Relatório Clínico)
1. Sempre que forem recebidos casos de violência doméstica, as unidades sanitárias ou serviços de medicina legal, devem elaborar um relatório pormenorizado de avaliação do estado de saúde das vítimas, com a descrição das lesões causadas, o tratamento administrado, o tempo provável para a recuperação se a isso houver lugar, indicar as possíveis sequelas e os instrumentos utilizados na agressão, que deverá ser remetido ao Ministério Público ou à polícia.
2. As vítimas de violência doméstica gozam do direito a exames médicos gratuitos.
Artigo 31
(Assistência Jurídica e Patrocínio Judiciário)
1. No momento da denúncia as autoridades devem informar à vítima sobre os seus direitos, nomeadamente, dos mecanismos necessários para beneficiar do patrocínio judiciário e assistência jurídicas gratuita e sobre toda a tramitação do processo.
2. As vítimas podem solicitar assistência jurídica e patrocínio judiciário às organizações não governamentais.
3. As organizações não governamentais vocacionadas para a prestação de assistência jurídica poderão representar as vítimas em tribunal, quando os respectivos membros estejam habilitados para o efeito.
Artigo 32
(Diligências)
1. Se a denúncia for apresentada perante autoridade policial, esta deve remeter o respectivo auto ao Ministério Público.
2. O Ministério Público dentre outras deve verificar se foram efectuadas as diligências necessárias para o esclarecimento do facto.
3. Feita a verificação, o Ministério Público deve proferir um despacho indicando se o processo está em condições de ser remetido ao tribunal e em caso afirmativo promover as diligências que julgar necessárias para a descoberta da verdade material, a serem efectuadas pelo tribunal.
4. Se o Ministério Público apurar que não existem elementos suficientes de indiciação deve mandar aguardar a produção de melhor prova ou arquivamento nos termos gerais.
Artigo 33
(Da Prisão Preventiva)
1. Há lugar a prisão preventiva sempre que:
a) A pessoa agressora seja surpreendida em flagrante delito na prática de qualquer uma das formas de violência doméstica contra a mulher;
b) Haja indícios razoáveis para supor que a pessoa agressora possa fugir ou destruir, falsificar ou corromper as provas, ou caso se verifique perigo de perturbação da ordem pública ou perigo para a integridade da vítima ou de testemunhas.
2. Sempre que ocorra a detenção da pessoa agressora, esta deverá ser submetida ao primeiro interrogatório a ser efectuado nos termos gerais.
Artigo 34
(Audiência de discussão)
1. Depois do levantamento do auto, nos casos em que não há instrução preparatória, este devera ser remetido ao juiz de turno, que marcará a audiência de discussão sempre que reunidas as condições previstas no número três do presente artigo no prazo até setenta e duas horas a contar do momento da recepção do processo.
2. Na audiência de discussão poderão estar presentes, para além da pessoa agressora e da vítima, outras pessoas que se revelarem importantes para o caso.
3. A audiência de discussão só deve ser marcada se, avaliada a situação familiar das pessoas envolvidas, os antecedentes e grau de violência, o juiz concluir que existe uma probabilidade fundada de que a audiência beneficiará a mulher.
Artigo 35
(Audiência de acompanhamento)
1. Durante um ano, após a audiência de discussão, o juiz marcará, trimestral-mente, audiências com a vítima, pessoa agressora e outras pessoas que julgar necessárias para acompanhar e avaliar o grau de cumprimento das instruções eventualmente impostas ou dos compromissos assumidos.
2. O juiz decidirá pelo arquivamento ou prosseguimento do processo tendo em conta os resultados da avaliação e do acompanhamento.
3. Decorridos 5 anos sem que tenham ocorrido novas situações de violência o juiz ordenará o arquivamento do processo.
Artigo 36
(Marcação da data de julgamento)
Tendo constatado a continuidade de violência doméstica, durante a fase de acompanhamento, o juiz marcará o julgamento no período máximo até setenta e duas horas.
Artigo 37
(Notificação)
As partes deverão ser notificadas pessoalmente para comparecerem na audiência de discussão e julgamento.
Artigo 38
(Comparência)
1. A falta de comparência da pessoa agressora à audiência implicará a realização do julgamento à revelia, salvo se, a falta for justificada no período máximo de vinte e quatro horas.
2. Na falta de comparência da vítima, o juiz deverá marcar nova data de julgamento.
Artigo 39
(Representação)
A vítima pode fazer-se representar em julgamento por advogado, assistente jurídico ou técnico jurídico desde que se constitua assistente nos termos gerais.
Artigo 40
(Acusação)
O Ministério Público deverá apresentar a acusação oralmente durante a audiência de julgamento.
Artigo 41
(Provas)
1. As provas que não foram submetidas anteriormente poderão ser apresen-tadas durante a audiência de discussão e julgamento.
2. Sendo as provas testemunhais, só pode ser apresentado um número máximo de três, por cada uma das partes.
Artigo 42
(Trânsito em julgado das decisões da audiência de discussão)
A decisão proferida em audiência de discussão não transita em julgado enquanto não decorrerem cinco anos, nos termos do nº 2 do artigo 31.
Artigo 43
(Leitura da sentença)
A sentença deve ser lida imediatamente a seguir à audiência de julgamento.
Artigo 44
(Forma de processo)
Quando ao crime corresponda pena de prisão maior o processo seguirá os termos do processo mais solene, conforme o caso, remetendo-se o mesmo ao tribunal competente.
Artigo 45
(Recurso)
Os casos julgados nos termos desta lei seguem os termos do recurso do processo sumário.
A interposição do recurso não depende de qualquer declaração prévia da acusação ou da defesa.
Os recursos têm efeitos meramente devolutivos.
Artigo 46
(Carácter urgente do processo)
Os processos relacionados com a violência doméstica contra as mulheres têm carácter urgente e prioridade sobre os demais.
Artigo 47
(Remissão)
Em tudo quanto estiver omisso regularão as disposições legais aplicáveis e em vigor na República de Moçambique.
Único: É aprovada a Lei contra a Violência Doméstica.

Aprovada pela Assembleia da República
_________________________________
O Presidente da Assembleia da República
Maputo, ________________ de 2006

Nenhum comentário: