quinta-feira, 24 de março de 2011

DIVERGENCIAS NA ORDEM DOS ADVOGADOS: Decisão da Ordem de encerrar escritórios de advogados pode ter sido ilegal



Divergência na Ordem dos Advogados

Num acto de procuradoria ilícita, a lei não prevê como sanção o encerramento de um escritório, mas impede o advogado ilegal de continuar a exercer a sua actividade, explicam os advogados contestatários.

A decisão da Ordem dos Advogados de Moçambique de encerrar alguns escritórios dos advogados, no mês passado, por se entender estarem a praticar “procuradoria ilícita”, pode ter sido ilegal, de acordo com alguns signatários desta agremiação. A conclusão vem de um grupo de seis advogados seniores inscritos na Ordem que endereçou uma carta ao procurador-geral da República, Augusto Paulino, a expor uma série de irregularidades que, no seu entender, foram cometidas pela direcção da Ordem.

Como tudo começou

No dia 21 de Fevereiro passado, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo executou o encerramento do primeiro escritório, a pedido da Ordem dos Advogados, porque era composto apenas por advogados estagiários. No dia 22, a Ordem foi encerrar outro escritório, Afrilégis, desta vez porque os donos estavam a partilhar o mesmo espaço com uma entidade estranha à actividade de advocacia, neste caso a firma sul-africana Adams & Adams. No âmbito da procuradoria ilícita, para além dos acima mencionados, um terceiro escritório foi também encerrado, na segunda-feira da semana passada. Trata-se da RCB-África, que, segundo informações a que o “O País” teve acesso de um dos signatários do documento contestatário, exercia a actividade de gestão de dívida e não a advocacia propriamente dita.

Os contra-argumentos

No rol dos seus argumentos, o grupo de advogados que se opõem à decisão da Ordem entende que, em primeiro lugar, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo não tem competências para encerrar um escritório, porque “o juiz criminal não deve decidir nada mais do que aquilo que está previsto na lei. Ou seja, num acto de procuradoria ilícita, a lei não prevê como sanção o encerramento de um escritório, mas impede a advogado ilegal de continuar a exercer a sua actividade”, explicam, para depois concluir que há, portanto, uma enorme ilegalidade cometida pelo juiz de instrução criminal, por ter decretado, a pedido da Ordem dos Advogados, o encerramento dos escritórios.

No documento enviado ao procurador-geral da República, os advogados são mais precisos na explicação das sanções em caso de procuradoria ilícita, recorrendo aos número 3 e 4 do artigo 57 do Estatuto (da Ordem dos Advogados), que aponta para dois caminhos, descritos nas alíneas que se seguem:

a) Um de natureza criminal, por exercício ilícito de profissão titulada, previsto e punido no parágrafo 2º do artigo 236 do Código Penal. A medida provisória que, eventualmente, pode ser tomada neste caso é a de interdição do exercício da profissão, a qual não se confunde com o encerramento do escritório. Mesmo no caso daquela medida, o arguido tem que ser previamente ouvido, podendo responder no prazo de dois dias (artigo 52, parágrafo 1º do Decreto-Lei nº 35 007 de 13 de Outubro de 1945);

b) Outro de natureza administrativa, que pode levar ao encerramento de escritório. Neste caso, e apesar de o nº 3 do artigo 57º do Estatuto prever a possibilidade de encerramento dos escritórios por autoridade judicial em caso de procuradoria ilícita, tal não pode ser feito sem que antes a decisão do órgão competente da Ordem seja notificada ao escritório. Este terá direito a recurso com efeito suspensivo, o qual será hierárquico na situação do nº 4 deste artigo e contencioso para o Tribunal Administrativo, se a iniciativa for dos órgãos referidos no nº 3 deste artigo. Não pode a autoridade judicial ordenar o encerramento do escritório sem observar os procedimentos legais e o princípio do contraditório. Esta decisão não pode, como aconteceu, vir dos juízes de instrução, cujas competências constam do nº 2 do artigo 1 da Lei nº 2/93 de 24 de Junho. Note-se que as medidas de segurança estão taxativamente enumeradas no artigo 70 do Código Penal e não incluem o encerramento de escritórios, dispondo o artigo 54 do mesmo código que só podem ser aplicadas as que constem da lei. O papel da autoridade judicial é só o de executar o encerramento caso não tenha sido interposto recurso ou este tenha sido dado por improcedente. Na notificação para o encerramento, tem que constar claramente os factos e as razões de direito.

Em contacto com um dos advogados subscritores do documento acima citado, a explicação foi mais além. “Um escritório, como tal, é muito mais que um advogado. Tem pessoas que lá trabalham, há contas por pagar e mais... portanto, não se pode encerrar um escritório devido à ilegalidade de um grupo de advogados que nele trabalham”, detalhou.

Em segundo lugar, no que toca ao caso do escritório dos advogados estagiários (apesar de ser consensual que os mesmos só podem praticar os actos próprios da profissão de advogado quando acompanhados por um patrono que, nos termos do estatuto, deve ser um advogado com inscrição na Ordem dos Advogados há mais de cinco anos), a direcção da Ordem deveria ter seguido um procedimento diferente de encerrar escritório, porque, sendo estagiários ou não, eles estão protegidos pelos mesmos princípios éticos e deontológicos da profissão. Ou seja, “a Ordem deveria observar as regras internas (procedimento disciplinar, por exemplo) para averiguar a eventual violação dos estatutos por parte dos estagiários, assim como deveria abster-se de discutir esta questão em público, tal como preconiza o artigo 80 dos Estatutos da Ordem. Aliás, como explica um dos advogados, foi no cumprimentos deste artigo que a imprensa não foi comunicada para cobrir o encerramento do terceiro escritório.

Outros argumentos

A nossa fonte, que também assina o documento dirigido ao procurador-geral da República, arrolou argumentos para a clarificação da posição defendida:

No caso da Afrilégis, o que parece ter ocorrido são duas questões: a primeira tem que ver com a tal partilha de espaço com a firma Adams & Adams. A firma Adams & Adams desenvolve serviços na área do registo e protecção de marcas e patentes. Os actos de registo e protecção de marcas e patentes são, nos termos dos decretos n.º 4/2006 e n.º 19/1999, tratados por Agentes Oficiais de Marcas e Patentes. A instituição que regula essa actividade é o IPI (www.ipi.gov.mz), onde a Ordem dos Advogados não tem jurisdição. Por esse motivo, o encerramento da Adams & Adams com os argumentos dados é, no meu entender, ilegal. No entanto, no mesmo espaço funciona a Afrilégis, um escritório que se dedica à prática de actos reservados aos advogados. Ora, segundo sei, o Dr. Carlos Martins (sócio e advogado da Afrilégis) está inscrito na Ordem dos Advogados, tendo, portanto, capacidade para actuar como advogado.

A questão da partilha de espaço entre as duas entidades tem de ser ponderada: se, por ventura, for demonstrado que existe uma separação entre as duas actividades, ou se forem actividades complementares (o que me parece ser o caso em concreto), não me parece que esse seja um motivo para alegar a “famosa” procuradoria ilícita.

A segunda questão que parece ter norteado a Ordem a pedir ao Tribunal de Instrução Criminal para encerrar os escritórios foi o facto de existirem licenciados em direito não inscritos na Ordem dos Advogados a “trabalharem” nesse escritório. Ora, o Artigo 54.º, n.º 2 dos Estatutos diz que um licenciado em direito que trabalhe em regime de exclusividade e como trabalhador (obedecendo ao dever de subordinação) está dispensado do registo na Ordem dos Advogados. Ao que parece, o único indivíduo que estava a trabalhar na Afrilégis ou na Adams & Adams na condição de não inscrito na Ordem estava também a desenvolver a sua actividade no regime de exclusividade e trabalho subordinado.

Fonte: Jornal O Pais, 23/03/11

A quem diga que trata-se de perseguicao ou ajustes de contas, sera!??? Por via das duvidas, nao concordo com a falata de notificacao das partes e a mediatizacao do caso, temos que preservar a imagem e bom nome das pessoas.

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